Apresentação |
Neste minicurso, discutiremos o ensino da transitividade verbal, focalizando um fenômeno que consiste na variação da forma de verbos como ‘quebrar’ e ‘machucar’, conhecida na literatura linguística como alternância causativo-incoativa: ‘a queda quebrou o vaso de cristal’/ ‘o vaso de cristal (se) quebrou’; ‘o acidente machucou a menina’/ ‘a menina (se) machucou’. Na primeira forma, os verbos são classificados como transitivos diretos e na segunda, como intransitivos. Segundo Cançado, Amaral e Meirelles (2022), esse tipo de alternância verbal ocorre com quase 500 verbos de nossa língua, sendo um fenômeno bastante produtivo do português brasileiro (PB). No entanto, essa variação da transitividade não é tratada nas gramáticas normativas nem tão pouco nos livros didáticos, o que evidencia a existência de uma lacuna no ensino do comportamento sintático verbal do PB. Assim, o objetivo deste minicurso é, por meio do arcabouço teórico-metodológico dos trabalhos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical, mostrar a estrutura e padrão de significação verbal que licencia a ocorrência dessa variação da transitividade, assim como trabalhar uma proposta didática para o ensino de tal fenômeno na Educação Básica. Por mais que haja variação, por meio de nossa gramática internalizada, somos capazes de prever quais verbos podem variar a expressão de seus argumentos e quais não podem. Desse modo, qualquer falante do PB sabe que embora verbos como ‘quebrar’ e ‘machucar’ possam variar sua transitividade, isso não é possível com verbos como ‘chicotear’ e ‘abraçar’: ‘o fazendeiro chicoteou o lombo do cavalo’/ ‘*o lombo do cavalo chicoteou’; ‘a criancinha abraçou as pernas do pai’/ ‘*as pernas do pai abraçaram’. Nossa proposta didática, pautada principalmente nos gêneros textuais tirinha e charge, permite que os seguintes temas sejam trabalhados: (i) os conceitos lógicos de item predicador e de argumentos; (ii) a relação desses conceitos com as funções sintáticas; e (iii) a introdução do conceito de papéis temáticos como concebido pela Semântica Lexical. Além disso, também mostramos que, por meio das possibilidades da variação da transitividade previstas em nossa gramática internalizada, escolhemos uma forma ou outra do verbo de acordo com os nossos objetivos comunicativos. Isso evidencia que a transitividade não é um fenômeno exclusivamente sintático, mas semanticamente determinado e pragmaticamente motivado, o que corrobora uma visão multifacetada da língua. |